Muito criticada durante o governo de Jair Bolsonaro, a linguagem neutra foi usada nas posses de pelo menos seis novos ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A construção linguística, que tem como objetivo representar pessoas que não se identificam com os gêneros feminino e masculino, foi inserida nas cerimônias dos ministérios da Fazenda; de Direitos Humanos e da Cidadania; da Cultura; da Mulher, e das secretarias Geral da Presidência e de Relações Institucionais.
Durante a posse de Fernando Haddad na Fazenda, a cerimonialista saudou o público no início e no fim do evento com um agradecimento pela presença de “todos, todas e todes”. O “todes” foi repetido ainda pelos cerimonialistas das posses de Márcio Macêdo na Secretaria-Geral de Governo; de Margareth Menezes na Cultura; e de Silvio Almeida, à frente da pasta de Direitos Humanos e da Cidadania.
A linguagem neutra é uma variação da norma gramatical usada por grupos de pessoas agênero (que não se identificam com nenhum gênero) e não binárias (que não se identificam só com o gênero masculino nem só com o feminino). Ela consiste no uso da letra “e” em substantivos, em vez de “a” ou “o”, e dos pronomes “elu”, “delu”, “ile” e “dile”.
A aceitação das variações, no entanto, não é unanimidade dentro do governo Lula. A nova ministra do Turismo, Daniela Carneiro, enquanto deputada, chegou a apresentar um projeto de lei na Câmara Federal pedindo que o uso da linguagem neutra fosse vedado em escolas públicas e privadas. O texto chama os novos vocábulos como “deturpação da Língua Portuguesa” e define seu uso como inaceitável.
“Uma língua é adquirida, é aprendida, não é inventada; e não é aceitável que essa ilegítima invenção seja reproduzida justamente no local onde os estudantes deveriam aprender a utilizar a Língua Portuguesa de acordo com as regras gramaticais”, afirma o texto do projeto de lei. Já em 2022, Daniela chegou a criticar, em vídeo, a “ideologia de gênero nas escolas” e o “lobby para a linguagem neutra”, discurso afinado com a pauta de costumes bolsonarista.
O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro atacou o uso da linguagem durante sua gestão. Em setembro do ano passado, ao conversar com apoiadores, ele afirmou que algumas pessoas que querem usar a linguagem neutra não sabem sequer português.
— Uma parte da garotada nem sabe português e quer a linguagem neutra. É impressionante. Antes de explicar o pronome neutro pergunta se sabe a diferença do pronome pessoal do caso reto, do caso oblíquo — falou o ex-presidente.
A proibição do uso da linguagem neutra é tema de 58 projetos de lei propostos desde 2019 em 20 estados no Brasil, segundo levantamento do GLOBO. De todos, apenas um, do Sargento Eyder Brasil (PL), que proíbe o uso de linguagem neutra nas escolas do estado, foi aprovado, em outubro de 2021, em Rondônia. O texto, no entanto, acabou derrubado no mês seguinte pelo ministro do STF Edson Fachin, que suspendeu a lei acolhendo ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, que alegava que a legislação apresentava preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e os valores humanos. A ação ainda será julgada em plenário. Em dezembro, o ministro Kassio Nunes pediu vista, e o julgamento foi paralisado.