“A bala que atravessou ele, matou também toda a nossa família”, desabafou Wellington Santos de Assis, 48 anos, irmão do pedreiro Antônio César Caldas de Assis, 54, morto em julho de 2023, no bairro de São Gonçalo do Retiro. Antônio caminhava, quando foi atingido por um tiro durante perseguição policial. O caso é mais um entre milhares de óbitos por arma de fogo registrados no ano passado em Salvador e Região Metropolitana pelo Instituto Fogo Cruzado (IFC) . Foram 1.413 vidas ceifadas – uma média de quatro mortes por dia.
De acordo com o levantamento, foram 1.785 pessoas baleadas entre 01 de janeiro e 31 de dezembro (372 sobreviveram). O número traz características da segurança pública no estado, segundo o co-fundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança.
“A violência que acontece em Salvador e Região Metropolitana está ligada à geopolítica, ou seja, com a economia da violência, com a distribuição das organizações criminosas e nas respostas dos órgãos oficiais, especialmente das forças de segurança, que continuam intensificando a questão dos confrontos, além de o incentivo do governo federal passado do armamento pela sociedade civil, inclusive possibilitando o fortalecimento dessas organizações criminosas”, declarou Ribeiro.
Segundo o IFC, dos 1.805 tiroteios, 659 foram em ações policiais, que resultaram 529 óbitos e 110 feridos. “A gente sabe que a violência está na Bahia toda, que tem gente morrendo porque tinha envolvimento, mas o meu irmão, não, era trabalhador e a polícia chega atirando aleatoriamente ? São despreparados! Eles continuam trabalhando e nós aqui tentado sobreviver com essa dor que nunca passa”, declarou Wellington sobre a morte de Antônio.
Na ocasião, a PM informou que policiais militares da 23ª CIPM faziam rondas quando forma informados da presença de indivíduos armados nas proximidades do final de linha do bairro. Ao chegarem, os policiais se depararam com um grupo de homens que, diante da presença da guarnição, efetuou disparos de arma de fogo e fugiu. Segundo a PM, Antônio teria sido baleado neste momento. “Falta ação da Corregedoria para fiscalizar os policiais que trabalham na rua. São acostumados a atos errados e depois dizem que foi troca de tiros”, desabafou mais uma vez.
O caso é apurado pelo Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHHP). O CORREIO entrou com contato com a Polícia Civil, nesta sexta-feira (05), para saber o andamento da investigação. O posicionamento foi enviado para os e-mails [email protected] e [email protected] , às 09:48 e 11:28. Até o momento, não houve resposta. “Se tivéssemos uma investigação séria, iam pensar duas vezes antes de agir”, declarou Wellington. Antônio era funcionário de uma construtora e trabalhava na construção de um edifício na Pituba.
Segundo Wagner Moreira, do Ideas Assessoria Popular e do Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia, os dados do IFC “nos ajudam a ler estes números em uma escala mais próxima”. “Quando divulgaram o relatório semestral para 2023.1, apontaram que na Região Metropolitana de Salvador 36% dos tiroteios registrados foram realizados durante operações policiais e que 69% dos mortos na RMS foram atingidos em operações policiais. Estes dados ajudam a entender a liderança do ranking de letalidade policial”, disse ele, fazendo referência à liderança da Bahia nos últimos anos, nas mortes violentas intencionais e em ações policiais no Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Moreia destacou a implementação das câmeras na farda dos policiais como uma das alternativas para reduzir a letalidade nas ações. “É uma das medidas que pode contribuir para mudar os rumos da segurança pública na Bahia, que entra em vigor em neste ano. Mas para além das câmeras, é preciso que o discurso do governador e do governo corroborem para uma guinada na violência letal, numa política menos influenciada pelo punitivismo policialesco”, disse Moreira.
Em setembro, o revendedor de gás Gerson Leopoldino Andrade, de 69 anos, era conhecido como uma pessoa tranquila e justa, foi assassinado por não pagar R$ 7 mil à facção Comando Vermelho (CV). A execução foi da pior forma: a vítima sofreu disparos no rosto quando estava com a família, em via pública, durante horário de intenso movimento do comércio local, no último dia 28. Um recado aos demais comerciantes, que são obrigados a pagar uma taxa para continuar trabalhando na região. Na ocasião, moradores disseram que 15 pessoas foram assassinadas pelo CV na Baixa do Tubo.
No dia 15 de agosto, Paloma Assis São Pedro, 30 anos, foi morta a tiros em um trecho da Rua Direta, no bairro de Tancredo Neves. De acordo com testemunhas, ela foi alvo de cinco disparos feitos por um homem que fugiu do local. Ainda segundo eles, Paloma passava no local onde foi executada diariamente de mãos dadas com uma criança fardada para a escola. Todos os dias, minutos depois de passar na companhia da criança, que os moradores não souberam informar se é filho ou parente, ela retornava sozinha pelo mesmo caminho.
As mortes de Gerson e Paloma estão entre os 884 corpos contabilizados pelo IFC, vítimas de mortes violentas intencionais, como homicídios dolosos (incluindo feminicídios, que são homicídios qualificados), balas perdidas e latrocínios, que é quando a vítima é assassinada para que o roubo.
“ A importância da participação da sociedade civil para uma boa produção de dados, o que chamamos de ‘produção cidadã de dados’. Esse um ano e meio de atuação do Fogo Cruzado, demonstra a importância de a gente ter um conjunto de agentes públicos e privados, organizações da sociedade civil, universidades, todos unindo dados para ter uma visão melhor sobre os fenômenos ligados à violência e assim poder apresentar melhores saídas”, pontua co-fundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança.
Via Correio da Bahia.